Merci, obrigado Gérald Bloncourt, o fotógrafo que tão bem soube retratar e descrever os nossos emigrantes portugueses em Paris na década de 60 e 70. Fotografou portugueses que viviam em "bidonville" (bairro de lata) dos subúrbios de Paris. Conheci-o em 2015, aquando da apresentação da sua exposição fotográfica, intitulada "Por uma Vida Melhor", no âmbito da iniciativa “Os Labirintos da Memória - Emigração, Memória e Futuro”, organizada pela Câmara Municipal do Fundão.
Nesse mesmo dia também conheci Maria da Conceição Tina, "a criança da boneca". Gérald faleceu há quatro anos e, com a vinda dos nossos emigrantes, recordo a história de vida comovente de Maria da Conceição, natural de Vila Nova de Foz Côa.
Muito resumidamente, irei tentar recordar o que se passou com Maria da Conceição, e como ficou conhecida. O episódio da foto é deslumbrante, fascinante e apaixonante e, ao mesmo tempo, arrepiante. Creio que representa todos os emigrantes que foram "a alto" para França.
À semelhança de tantos portugueses, o pai da nossa protagonista foi para França e dois anos mais tarde, a mãe com os seus dois filhos, sem pré-aviso ao marido, resolveu meter-se a caminho, "a salto".
Foi uma viagem escura, fria e repleta de sofrimento pelos Pirineus adentro. A "cachopa" com seis anos não gostou da ideia, ameaçando-a que ia denunciá-la ao vizinho GNR do plano da mãe. Para silenciar a pequena, prometeu-lhe uma boneca mal chegasse a Paris. Ao chegarem, o pai ficou admirado com tal ousadia e a mãe cumpriu a promessa à filha.
Numa dessas dezenas de visitas ao bairro de lata "bidonville," Gérald fotografou uma criança sorridente, com a tal boneca e com uma filha, erguidas na mão, no seu bairro enlameado de St. Dinis. Curiosamente, só 47 anos depois é que Maria da Conceição que conheceu o fotógrafo.
A foto da criança corria mundo, até que foi alertada por um amigo, que fazia sucesso na Internet. O retrato de sua filha tinha estado exposto no Museu de Coleção Berardo durante três meses. Começaram os contatos e o encontro entre o fotógrafo haitiano aconteceu repleto de uma enorme emoção. Libertaram-se lágrimas de memórias, êxitos, agruras, mas talvez tenham gritado: vitória. Tanto Bloncourt como Maria da Conceição representam a fragilidade dos seus países, o direito à liberdade, um projeto sem fim.
Infelizmente essa grande geração emigrante está a desaparecer. O tempo passa e as histórias devem ser registadas. Ainda vamos a tempo?
Os nossos emigrantes partiram com o intuito de projetar uma vida mais digna. Derrubaram todas as fronteiras linguísticas. Portugal era governado como se fosse uma comunidade paroquial, o tenebroso cinzento de Salazar. Chegam depressa e entram no mercado de trabalho com sucesso. Regressam e constroem em Portugal a sua casa, a promessa por uma vida digna, a senha do esforço.
São resistentes, altruístas, corajosos, resilientes, a tal geração de portugueses rurais, que dividiram a "sardinha por três". Viveram eternamente com a saudade de Portugal, e contribuíram para a afirmação da cultura portuguesa no país de acolhimento.
Bem hajam.
Saliento ainda a importância do Jornal do Fundão nesse tempo. Chegava a bidonville e era a ligação entre Portugal e a língua portuguesa. Todas as semanas recebiam as notícias da terra, as novidades...Passava de mão em mão, todos procuravam notícias da sua aldeia. Até a necrologia e os anúncios eram passados a pente fino. Todos esperavam pelos cheiros e aromas do seu país, desse país que cabia dobrado nas páginas do Jornal do Fundão.
A história do Jornal do Fundão faz parte da história do jornalismo em Portugal.
Obrigado, Gérald Bloncourt, Maria da Conceição e Jornal do Fundão.